quinta-feira, 22 de março de 2012

Quando o gibi e o vinho se encontram

Sabe o mangá, aquele gibi japonês? Pois bem, é um gibi nem sempre voltado para crianças, há também a versão mangá para um público adulto, que são simplesmente fissurados, devoradores fanáticos e quase compulsivos do gênero.

Agora junte fãs de mangá com entusiastas do vinho e o resultado é o sucesso "The Drops of God", um mangá que está dando muito o que falar e virou febre na Ásia.

De forma resumida, conta a história de um rapaz educado pelo pai severo mas que ficam anos sem se falar. Quando o pai morre, deixa uma herança mas com exigências e condições, entre elas a de identificar os 12 melhores vinhos do mundo, chamados por ele de "os 12 Apóstolos", e haveria ainda um décimo terceiro vinho tão bom que seria o tal Gotas de Deus. E então o rapaz, junto com seus amigos, têm de sair pelo mundo atrás dos 13 vinhos, superando alguns desafios e concorrentes. Super!

Poderia ser apenas uma historinha tola, mas o bacana é que todos os vinhos citados na história são reais, com rótulos reais, fazendo citações de lugares reais e entrando detalhadamente em todos os procedimentos, técnicas, características, variedades e terminologias do mundo dos vinhos. Um papo quase de nerd, mas contagiante. E de quebra, ainda transmitem tudo isso com elegância e poesia.

O interessante em The Drops of God é que serve para todos os públicos: para os experts em vinho é diversão garantida dentro de um universo bem conhecido; para os iniciantes é uma forma de aprender muito, muito mesmo, sobre os pormenores reais relacionados ao vinho; e para aqueles que não querem saber da bebida, é uma história divertida e genialmente bem contada.

Como se não bastasse, o gibi acabou gerando no Japão uma onda de devoção aos vinhos afetando produtores da França, que de repente viram a procura por seus produtos explodirem.

No link abaixo, uma interessante reportagem da BBC falando justamente sobre isso:


Boa degustação... e boa leitura!


quarta-feira, 7 de março de 2012

As mulheres e o vinho

Para comemorar e homenagear o Dia da Mulher resolvi montar um post especial sobre as grandes mulheres no mundo do vinho... e acreditem, são muitas. Em um universo predominantemente masculino como é o dos vinhos, é importante destacar os grandes nomes femininos...


DONA ANTONIA FERREIRA - A melhor forma de começar é com a grande dama do vinho do Porto, Dona Antonia Adelaide Ferreira, uma mulher empreendedora que conquistou o mercado viticultor de forma extraordinária, contribuindo muito com o desenvolvimento da região do Douro.

Nascida em 1811 em berço de viticultores, conhecida como "Ferreirinha" (sim o próprio nome que carrega o Porto Ferreirinha), Dona Antonia fez com que seu nome fosse sinônimo do Porto de grande popularidade em Portugal. Mulher humilde e com nobreza de alma, recusou muitos títulos a ela oferecidos e esteve à frente de grandes obras de caridade.


VEUVE CLICQUOT - Seguindo a linha dos grandes nomes, outro obrigatório é o de Veuve Clicquot. O famoso Champagne leva o nome de uma mulher, Nicole-Barbe Ponsardin, nascida em 16 de novembro de 1777. Casou-se com François Clicquot, que veio a falecer, deixando-a no controle da companhia que fundou, e que dividia suas atividades entre a produção de champanhe e comercialização de lã. 

Sob o comando de Madame Clicquot (ou "Veuve", viúva em francês), a companhia concentrou seu foco inteiramente na produção de champanhe, tornando-se um dos nomes mais conhecidos no meio da viticultura. Afinal, quem nunca olhou para garrafa de rótulo laranja e reconheceu de cara um dos champagnes mais famosos e conhecidos no mundo? Uma das invenções atribuídas à Madame Clicquot foi o processo do riddling rack, que seria a inclinação graduada da garrafa até a vertical. Ela e seu mestre de adega, Antoine de Müller, juntos criaram o processo usado até hoje na fabricação de champagne, o dégorgement (vide post sobre champagne).



SUZANA BALBO - Enóloga argentina, fundadora e proprietária da vinícola Dominio del Plata, Suzana Balbo é uma mulher que tenho uma enorme admiração pelos seus vinhos e seu trabalho que transparece criatividade e sensibilidade. Nos anos 80, Susana Balbo trabalhou ativamente como consultora internacional de vinhos. Na década seguinte, participou de maneira significativa na transformação dos vinhos argentinos, ajudando a trilhar um caminho na direção dos mercados internacionais, nos quais, desde então, ela e a vinícola Dominio del Plata, fundada em 1999, são presenças constantes.



FILIPA PATO - Filha de Luis Pato (dos maiores produtores de vinho de Portugal) Filipa Pato é uma criativa enóloga e à frente de excelentes vinhos. Na minha opnião ela produz um espumante fantástico, com as características dos melhores vinhos portugueses. Ainda jovem, em 2011 ganhou o grande prêmio de Melhor Produtora do Ano atribuído pela Feinschmecker, prestigiada revista gourmet alemã. A menina que cresceu brincando nas vinhas de seu pai hoje carrega duas palavras chaves para a sua criação: tradição e inovação.




LAURA CATENA - Laura Catena é filha de Nicolás Catena, vinicultor que revolucionou o vinho argentino a partir dos anos 80. Determinada e inspirada no ítalo-americano Robert Mondavi e seu império no Napa Valey, na Califórnia, Laura é uma espécie de embaixadora da vinícola do pai e é a grande representante da nova geração de produtores da Argentina.




VITÓRIA PARIENTE e VITÓRIA BENAVENDES - Vitória Pariente e Vitória Benavides dão o nome e o talento à Bodega y Vinas dos Victorias, produzinho um vinho de altíssima qualidade em denominações espanolas, um verdadeiro sucesso no mundo dos vinhos, agregando técnicas atuais modernas e aproveitam o máximo de seu terroir. São consideradas por Robert Paker a bodega revelação da Espanha em 2006.



MARIA LUZ MARIN - Quando se fala de Pinot Noir chileno, se fala de Maria Luz Marin. Elegante e extraordinária, a enóloga escolheu para seu primeiro projeto a região chilena do Vale de Leyda, situada no Vale de Santo Antonio, ao sul de Valparaiso. A escolha mostrou uma ótima intuição, já que atualmente a região está entre as duas grandes descobertas vitivinícolas do Chile nos últimos anos, junto com o Vale de Limarí, ao norte. Grande empresária que decidiu produzir vinhos de exceção em um dos países que mais cresce na produção de vinhos especiais em todo o planeta.



MADAME MAY-ELIANE - A vida de Madame May-Eliane de Lencquesaing, com suas fantásticas histórias e seu Chateau Pichon-Lalande invadido pelos nazistas durante a Segunda Guerra (fazendo com que ela participasse da resistência francesa), pode ser lido no livro "Vinho e Guerra do Casal Kladstrup" (Edit. Jorge Zahar, R$ 36,00). A paixão de Madame May Eliane por seus vinhos encanta qualquer apreciador de vinhos.




SANDRA TAVARES DA SILVA BORGES - Ah... ok, já sei... vão falar que puxo sardinhas para a terra de Fernando Pessoa, certo? Puxo sim, e se o mesmo tivesse conhecido a grande Sandra Tavares da Silva Borges com certeza teria feito algum poema a ela, afinal é considerada uma das mais belas enólogas do mundo, mas foi seu talento que conquistou o seu espaço. O vinho Quinta do Vale D. Maria 2001, produzido no Douro, foi o grande campeão de uma degustação realizada há três anos em Portugal, batendo ícones "Mouton Rothschild" e o badalado espanhol "Vega Sicília". Além de tintos e brancos, Sandra também produz um belo e poderoso Porto Vintage (a safra 2002 está comentada em cave).



RAFFAELLA BOLOGNA - Ok... e a italiana tem vez? Tem sim... Raffaella Bologna tem muito vigor, determinação e técnica de tirar o chapéu de qualquer marmanjo. Assim como Felipa Pato, ao invés de sangue ela traz vinho nas veias. Falecido há mais de uma década, seu pai, Giacomo Bologna, inventou a Barbera Barricata (foi pioneiro ao colocar vinhos dessa uva em pequenas barricas de carvalho francês), e a inseriu no cenário internacional com seu "Bricco dell Uccelone". Raffaella já conquistas fãs por seu estilo contemporâneo especial.











BARONESA PHILIPPINE DE ROTHSCHILD - Deixando para o final da minha homenagem, erguemos a taça para a grande Baronesa Philippine Mathilde Camille de Rothschild, filha do lendário Baron Philipe, um dos maiores ícones do mundo do vinho. A história que Philippine passa pela Segunda Guerra Mundial e é mais tensa do que a de Madame May. Capturada pelos nazistas, sua mãe faleceu no campo de concentração em Ravensbrück (o mesmo onde Olga Benário, mulher de Carlos Prestes, ficou), em 1945. Philippine herdou do pai a personalidade excêntrica e conseguiu manter o prestígio do Chateau Mouton Rothschild após a morte do barão, em 1988. Falar desse vinho é chover no molhado, de tão bom que é.

Além do Mouton, ela produz na mesma região os prestigiados "D'Armailhac", ex-Chateau Baronne Philippe, e "Clerc Milon", que está entre os vinhos de melhor custo benefício de Bordeaux, valendo muito a pena conhecer. Tudo isso sem contar o ordinário porém famoso "Mouton Cadet". Como se não bastasse toda este currículo fantástico, a baronesa deu sequência ao projeto franco-americano de seu pai no famoso e contestado Opus One, na Califórnia, em parceria com ninguém menos que Robert Mondavi, e esteve à frente do suntuoso projeto Almaviva, obviamente o vinho mais cobiçado do Chile, em parceria com a família Guilisasti da Concha y Toro.



Agora fale a verdade, lugar de mulher é na cozinha ou na adega ?

Boa Degustação... e Feliz Dia da Mulher!




OBS: partes deste texto foram retirados da Revista Adega, do qual agradecemos a colaboração:  
http://revistaadega.uol.com.br/Edicoes/11/artigo27172-1.asp

terça-feira, 6 de março de 2012

Terroir: não é só terra

Um dos assuntos que mais causam dúvidas e questionamentos é o conceito do TERROIR, termo francês que significa um conjunto de fatores que contribuem para a identidade do vinho, em especial referentes ao local, solo, topografia, sol que recebe e clima onde o vinhedo foi plantado.

Todo grande vinho tem um caráter único, e é isso que diferencia uns dos outros, afinal vinho tem vida, tem personalidade e tem identidade, identidade esta que vem das características de onde a uva foi plantada... mas como isso se dá, afinal?

Há quem defenda o conceito do terroir de forma extramamente correta (pelo menos do meu ponto de vista)... se buscarmos um exemplo, podemos usar um ícone do mundo do vinho: a inquestionável vinícola Domaine de la Romanée-Conti, instalada na Borgonha, França.

Ela é proprietária de seis parcelas diferentes de terra, quatro delas vizinhas e outras duas a mil metros de distância, todas produzindo a mesma uva Pinot Noir, com as vinhas cultivadas da mesma forma, todas com o mesmo cuidado e vinificadas de modo idêntico... mas produzindo seis vinhos tintos completamente diferentes, cada um com sua identidade retirada de seu terroir.

Isto está longe de ser produto de marketing (como muitos imaginam): o vinho Romanée-Conti há seculos já se destacava dos outros Pinots da Borgonha, tendo por isso seu perímetro destacado desde 1521... seria mera coincidência? Obviamente que não, isso é efeito do terroir utilizado.

Outro exemplo de terroir como parte fundamental da produção dos grandes vinhos são as uvas Tempranillos plantadas em Rioja e em Ribera del Duero, na Espanha. Essas duas regiões produzem os mesmos vinhos, com as mesmas uvas, mas com características totalmente diferentes. 

O mesmo acontece na Itália com a uva Nebbiolo na produção do grande e potente Barolo, que se transforma em um vinho mais macio na região de La Morra. Já na região de Serralunga D´Alba a mesma uva se apresenta com seu tanino intenso típico, mostrando a integral harmonia do homem, vinha e natureza... se existe mágica no mundo então seu nome é terroir.

Uma das questões que levam o conceito terroir a ser questionado são os novos países produtores, que se baseam na descomplicação do conceito para minar a posição do mercado europeu, que até então eram os "donos da bola" na competição da importação. 

O jogo funciona assim: a Europa defende que os vinhos se tornam iguais e banais quando não têm personalidade e característica própria, sendo apenas clonados e sem expressão quando se despreza o terroir. Já os novos produtores (normalmente do novo mundo) alfinetam chamando o terroir de jogada de marketing para os europeus priorizarem um mercado, e esses novos produtores querem suas produções baseadas apenas nas uvas e produtores, e nada de denominação de terroir.

Bem, agora cabe ao consumidor escolher o que mais lhe agrada conhecer e respeitar. Se pensarmos que qualquer uva produzida em qualquer solo daria um bom vinho dependendo exclusivamente do produtor e da uva, então, fazendo um paralelo, qualquer país com um pedaço de terra poderia ser produtor de café e deixar o Brasil longe... já imaginou o vinho do Porto sendo produzido em outro lugar que não Portugal?

Assim sendo vale a pena refletir...

Boa Degustação!