sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A doçura e desventuras do vinho Madeira


No mundo dos vinhos ainda existe uma certa desconsideração, seja por preconceito ou até mesmo desconhecimento, em relação aos vinhos fortificados e doces. Estas preciosidades perdem lugar no mundo dos tintos e secos, no mundo onde não se dá muita abertura ao que realmente interessa... os detalhes. É o caso dos grandes nomes como Tokaji e Sauternes (que transformam uma sobremesa em uma obra de arte) e dos seus irmãos fortificados Porto e Jerez, embora sabemos que estes dois últimos são um caso à parte e muito apreciados.

Uma vez li uma frase em que dizia "a vida é curta demais, comece pela sobremesa". Ok... se for acompanhada por um destes fantásticos vinhos cheios de histórias, poderia sim começar por ela sem maiores reclamações.

Se os vinhos citados acima estão, digamos, no grau do preconceito, o Madeira é o campeão no quesito esquecimento, ele só não é de todo desconhecido por causa de seu uso na culinária, no conhecido filé ao molho Madeira.

Talvez pouca gente saiba ou se importe, mas tanto quanto seu primo mais conhecido, o Porto, o vinho Madeira também é um vinho fortificado mas produzido na Ilha da Madeira, daí o nome. Conhecer suas particularidades e sua rica gama de tipos talvez irá mudar sua idéia sobre este vinho. Além de sua origem portuguesa e seu processo de vinificação adicionar aguardente vinífica, são poucas as semelhanças entre ele e o vinho do Porto, começando pelos quatro graus de doçura que tem o Madeira. Além do padrão característico adocicado, também existem o meio doce, o meio seco e o seco, o que dá oportunidade para todos os paladares e experiências gastronômicas mais ousadas.

Situada em torno de 900 km a sudoeste de Portugal e cerca de 660 km da costa do Marrocos, a Ilha da Madeira era parada obrigatória no sec. XVII, onde navios que cruzavam o Atlântico tinham em seus porões barricas de vinho sob altíssimas temperaturas que acabavam por se deteriorar... daí veio o uso da adição do álcool para que o vinho suportasse a viagem sem maiores estragos. Logo se percebeu características diferentes no vinho de "roda", nome dado pela técnica de fazer a barrica dar "voltinhas".

Depois de um século de sucesso, surgiram vários acontecimentos negativos, entre elas o oídio e a filoxera, pragas que destruíram vinhedos de castas nobres, sendo plantadas em seu lugar cana de açúcar e vinhas americanas.

O problema maior veio depois, já com a técnica do enxerto, onde a procura pela facilidade ao invés de qualidade fez surgir a predileção do plantio pela medíocre uva Negra Mole, desvalorizando assim o Vinho Madeira. A qualidade do vinho foi recuperada mais tarde pela implantação de outras 4 uvas mais ricas.

Hoje em dia as castas nobres representam apenas 12% da produção, o que requer um tratamento especial, e obviamente implica em um processo bem elaborado de produção para produzir o Madeira. Deve-se passar por um processo de aquecimento a 45 graus mantendo-se nesta temperatura por 3 meses aproximadamente, o que se dá ao nome de "estufagem", acelerando assim o processo de oxidação.

Após este período é acrescentado o álcool vínico a 96 graus e o adoçamento é feito com mosto de mistela ou caramelo. A variação destas doses é que irão definir o doce, meio doce, meio seco e seco do vinho, seguido de uma guarda de 3 anos. Porém este vinho começa a se mostrar interessante quando em seu rótulo vem a marca de 5 anos - chamados Reserva - ou em nível superior, 10 anos. Suas castas nobres são Bastardo e Terrantez com uma produção irrisória, e já li que a Bastardo nem mais existe.

Algumas produções são artesanais, não sendo usado o calor artificial. Com a Malvasia é acrescentado o álcool mais cedo e assim garantindo a doçura; com a Boal origina um vinho meio doce; o Verdelho é usado para meio seco e o Sercial dando origem ao Madeira seco.

Dos vinhos de excelência, além dos envelhecidos por 10 anos, existem os de 15 anos ou vintage, que só podem ser comercializados após 20 anos... mas também com uma garrafa dessas na mão, não tenha pressa alguma, deguste-a com tranquilidade e na sua curiosidade de tanta história e luta para sobreviver aos altos e baixos o vinho Madeira merece maior consideração e respeito. E neste caso, ser degustado com um bom prato! 

Boa Degustação!


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